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MaisPB Entrevista: o mosquito da "dengue" chega à literatura

Kubitschek Pinheiro Foto – Agustina Battezzati É isso mesmo, o mosquito da dengue chegou à literatura, cujo personagem principal é Dengue Boy.


Kubitschek Pinheiro

Foto – Agustina Battezzati

É isso mesmo, o mosquito da dengue chegou à literatura, cujo personagem principal é Dengue Boy. O MaisPB traz neste sábado uma entrevista exclusiva com o escritor argentino, Michel Nieva, que está lançado no Brasil "Dengue Boy – A infância do mundo" edição da Editora Amarcord e selo da Editora Record. A história é sobre um futuro cyberpunk tropical e latino etc.

Vamos pular para o ano 2272, ano em que se passa a trama diante de uma crise climática que vai atingir pontos intransponíveis. Como assim? As zonas polares vão derreter por completo e a temperatura média global é de 90°C – cidades como Nova York e Buenos Aires estarão submersas. De cara, cenário de um filme.

Não tenha medo. No extremo sul do continente, os Arquipélagos Patagônicos formam o Caribe Pampiano: de um lado, um balneário com belas praias artificiais, de outro, uma miserável e tépida orla, algo bem Brasil, né?

Pois é nesse cenário devastado que cresce o Dengue Boy. Ninguém gosta dele, ninguém quer ser amigo de Dengue Boy. Na escola, seu aspecto estranho o transforma no principal alvo das zombarias comandadas pelo pequeno tirano Dulce. Não confunda com Duce, o terrível Mussolini. Vamos imaginar que o Dengue Boy enfrenta um mega bullying punk em 2272. Ah, o tempo!

Em casa, a situação do boy não é muito boa. A mãe, exausta de seus dois empregos, não aguenta a bagunça feita pelo filho Dengue, que não possui mãos. Vamos parar por aqui, deixar que o leitor descubra como a (o) dengue chegou à literatura – e muito mais.

O autor Michel Nieva nos leva para fim do mundo e o mundo acabou faz tempo, mas ainda faltam as moribundas, artificiais e virtuais, a Bolsa de Valores, a besta fera e videogame.

Michel, o cara

Michel Nieva é o tal, sabe escrever e coloca voz nos personagens como se estivéssemos numa sala de cinema. MN nasceu em Buenos Aires/Argentina (1988), é formado em filosofia pela Universidade de Buenos Aires e atualmente é professor na Universidade de Nova York. Em 2021, foi eleito pela revista Granta um dos melhores prosadores jovens em língua espanhola e, em 2022, recebeu, pelo conto "Dengue boy", o prêmio Google Books. Nasceu em 7 de março de 1988 (36 anos), na Buenos Aires, Argentina, onde as Mães da Praça de Maio ainda se arrastam procurando seus filhos..

MaisPB – A gente pode pensar que o livro "Dengue Boy: a infância do mundo", é uma previsão delirante do autor?

Michel Nieva – O livro, se quiser, é “delirante” na medida em que toda especulação sobre o futuro do mundo é uma forma de delírio. No entanto, para escrever o livro, pesquisei dados muito concretos: o aumento das epidemias de dengue devido ao desmatamento e ao aquecimento global, bem como o futuro irreversível de inundações nas cidades devido também aos fenômenos mencionados anteriormente. A história do livro surgiu porque vários amigos contraíram dengue durante a pandemia de COVID, e nenhum hospital queria atendê-los (para silenciar na mídia a emergência dessa doença). Isso me levou a pensar em como a dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos existem no que é chamado de “Sul Global” há séculos, mas como afetam populações pobres, as empresas farmacêuticas não se interessam em pesquisar curas (ao contrário da COVID, cuja vacina foi desenvolvida em tempo recorde). Assim, o livro é sobre uma pandemia do subdesenvolvimento. Também, sobre as imaginações de um sistema financeiro futuro que lucra exclusivamente com o surgimento de novas pandemias.

MaisPB – Falando sério, o livro nos empurra para 2272 – milhares de coisas podem acontecer, inclusive nada – mas conta pra gente como veio essa ideia do mosquito dengue boy?

Michel Nieva – Um pouco do que eu mencionava anteriormente, e pelo meu fanatismo pelo body horror, a literatura de Kafka e os filmes de Cronenberg, foi que a especulação sobre um futuro cooptado pelo dengue se personificou no personagem principal, um menino meio humano, meio mosquito, que é Dengue Boy. Ao mesmo tempo, eu me interessava em pensar o fim do mundo sob a perspectiva de crianças, que de alguma forma são o oposto do fim, são pura potência e futuro.

MaisPB – Bem antes da pandemia o mundo já tinha acabado, em meio a tantas barbarries – uma prosa cyberpunk, escrita por você mexe com o imaginário do leitor, principalmente o brasileiro, atolado nessa doença provocada pelo mosquito da dengue – como você imagina a reação do leitor do lá de cá?

Michel Nieva –. Tenho muita curiosidade sobre a reação de um leitor brasileiro, principalmente porque admiro profundamente a literatura do seu país e porque somos dois países irmãos que compartilhamos conflitos muito semelhantes, muitas vezes não pensados tão próximos. Mas além do dengue, por exemplo, outro tema do livro (que aparece nos mapas) é um futuro em que metade da América do Sul permanece submersa devido ao derretimento do gelo antártico, e esse futuro tristemente também interpela o presente catastrófico que o sul do Brasil está enfrentando.

MaisPB – O livro é ao mesmo tempo moderno, por mostrar cenários de cidades já destruídas, era essa sua intenção?

Michel Nieva Existe aquela famosa frase de atribuição equívoca que afirma que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Mas a realidade é que o capitalismo já imaginou como continuará quando o mundo não existir mais: entre outras coisas, por exemplo, com as fantasias espaciais de bilionários como Elon Musk ou Jeff Bezos de colonizar Marte. Essas utopias são vendidas como um futuro para a humanidade quando o capitalismo terminar de destruir a Terra, quando na realidade são apenas um plano de emergência para uma minoria plutocrática uma vez que este planeta se torne inabitável. Já que esses imaginários dependem do vocabulário da ficção científica, queria interpelá-los na minha escrita, uma espécie de meta-ficção científica, e especular sobre o que acontecerá quando Elon Musk viajar a Marte em países como o nosso, que quase sempre são excluídos dessas utopias ecocapitalistas.

MaisPB – Ter seu nome associado a Franz Kafka, Ursula K. Le Guin, Jorge Luís Borges, ( o melhor escritor do mundo), David Cronenberg e Junji Ito já é um pouco de literatura mundial, não é?

Michel Nieva Agradeço por me associarem a autores que admiro tanto, mas não posso dizer muito sobre a opinião dos outros, além da gratidão pelas comparações que considero injustas.

MaisPB – Seu livro, na verdade, nos assusta, mas é a realidade em que vivemos, por um lado o mosquito que mata e por outro a densidade dos horrores do presente, o velho capitalismo selvagem. Vamos falar sobre isso?

Michel Nieva Vivemos em um tempo sobressaturado de ‘atualizações’ constantes que sobrecarregam e impedem a reflexão e o pensamento. Por isso, considero que essa época de imediatismo não pode ser compreendida através da linguagem do imediato. A ficção científica, em minha opinião, possui essa capacidade de distorcer o presente até atingir o momento exato em que reconhecemos em uma história aparentemente delirante a nossa época com maior precisão do que em uma narrativa realista. É aí, talvez, onde a densidade de horror do romance pode vislumbrar algo do nosso presente devastado.

MaisPB – Que autores brasileiros você destacaria?

Michel Nieva – Em uma sessão de brainstorming, menciono indiscriminadamente clássicos de outras épocas e autores recentes que me interessaram: Augusto de Campos, Euclides da Cunha, Emília Freitas, João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Joca Reiners Terron (um luxo ele ter sido o tradutor do meu livro), Ana Paula Maia e Daniel Galera.

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